1ª Edição - 2009

Terceira Idade – História

Tema: O trânsito na sua infância.

1º lugar - Décio Diniz Drummond

2º lugar - Ivan Simões Lopes

3º lugar - João Alberto de Lima Nassif


 

1º lugar - Décio Diniz Drummond

PASSADO REVISITADO

Voltar no tempo. Fazer o percurso inverso e chegar à infância, de onde extrair um fato marcante envolvendo o trânsito. Tarefa difícil. Mais difícil ainda quando já existem mais de setenta anos como postes sinalizando a estrada.

O escritor Marcel Proust buscava o tempo perdido enquanto degustava as madeleines feitas por sua velha governanta. Sua memória afetiva era instigada pelo sabor das madeleines.

Quanto a mim, não moro em Paris, não possuo a mínima semelhança com o grande escritor, não sou atendido por uma governanta francesa e, se quiser saborear madeleines, preciso eu mesmo ir à cozinha prepará-las.

São poucos os recursos que disponho para revisitar o passado. Uma das chaves com que costumo abrir a porta da memória é o cinema. Inúmeros filmes estiveram de uma forma ou de outra associados a fatos de minha vida. Um deles - precisamente aquele que inclui uma imagem relacionada com o trânsito e que marcou minha infância de maneira indelével - foi Duas Vidas. Gravei na retina para sempre o rosto de Irene Dunne, transmitindo feliz antecipação ao atravessar a Quinta Avenida em Nova Iorque, uma antecipação que subitamente se Transmuda em terror e pânico ao sentir a iminência inevitável do atropelamento.

À saída do cinema eu não conseguia parar de falar da cena do atropelamento, que me impressionara profundamente.

Os sábados, naquela época, eram dias muito especiais para mim, pois era quando meu pai, pela manhã ia me buscar no colégio. Filho único, insubordinado e voluntarioso, precisei ser internado. Puseram-me no colégio São Bento, de padres alemães que, a muito custo, conseguiram moldar-me no que sou hoje, ainda não decidi se melhor ou pior.

Naquele sábado especial, à tarde, após o tradicional chá da Casa Vienense, fomos ao cinema e, em seguida, jantamos no restaurante Jacinco, o preferido de minha mãe. Naqueles distantes anos trinta o centro de São Paulo era calmo e divertido, pontilhado de luxuosos cinemas, refinadas casas de chá e excelentes restaurantes. Durante o jantar, meu pai não perdeu a oportunidade de ministrar-me uma aula de educação no trânsito, fazendo me entender que, no filme, a personagem, distraída, atravessava a avenida movimentada, sem olhar para os lados nem procurar o semáforo. Esse tipo de descuido, explicou meu pai, é, sem dúvida, uma das principais causas de atropelamentos.

Aquele filme já foi refeito mais duas vezes: na década de cinquenta, com Deborah Kerr, e na noventa, com Anette Bening. Porém, é o rosto expressivo de Irene Dunne que trago gravado na retina e que me alerta cada vez que atravesso uma rua no trânsito tumultuado de São Paulo. Não preciso das madeleines de Marcel Proust para estimular-me a memória.


 2º lugar - Ivan Simões Lopes

O MENINO, O BONDE E A FAIXA DE PEDESTRES 

Em meados da década de 1940, na cidade de São Paulo, o menino residia à Rua Doutor Carlos Guimarães, uma travessa da Avenida Celso Garcia, no bairro do Belenzinho.

Frequentava então o Grupo Escolar Amadeu Amaral, no Largo São José do Belém, onde cursava o ensino primário.

Todos os dias, bem cedo pela manhã, subia a ladeira da rua onde morava e chegando à Celso Garcia cruzava a movimentada avenida rumo ao ponto de bonde. Quando o elétrico chegava e parava no ponto, o motorneiro deixava seu posto de trabalho e vinha observar pela lateral do carro o embarque de seu pequeno passageiro.

Devido sua diminuta estatura, o garoto não alcançava o balaustre. Arremessava então sua pequena pasta de material escolar para dentro do carro e ajoelhando-se no estribo conseguia subir no mesmo, e aí então acessar o interior do coletivo.

Certificado do sucesso da operação de embarque do infante, o motorneiro retornava ao comando e conduzia o bonde até o Largo São José do Belém onde terminava a viagem.

O menino descia em segurança, encaminhava-se para a escola e o bonde retornava para a praça da Sé onde iniciaria mais uma viagem da linha 24 rumo ao Belém.

Havia um pacto de solidariedade entre as pessoas naquela época.

O transcorrer inexorável do tempo tratou de multiplicar por dez a idade do menino e o número de habitantes da cidade.

Morador atualmente do bairro de Cerqueira César o nosso herói, agora com cabelos ralos e encanecidos, envolveu-se outro dia em um entrevero no mínimo insólito. Ao tentar atravessar a Rua da Consolação, pela faixa de pedestres, no cruzamento da Alameda Franca foi quase atropelado por um carro, que proveniente desta alameda, veio em sua direção com a buzina acionada e estancou a poucos centímetros de suas pernas. Tentou ainda fazer ver que a preferência era sua, ao fazer uso da faixa de pedestres; em resposta o motorista enraivecido, colocando a cabeça para fora do carro, vociferou:

"Vai pra casa, velho babaca!".

Ao terminar a travessia sentiu de maneira cabal e definitiva que o menino ficara no passado distante e fora substituído por um ancião que não contava mais nem com o olhar protetor do seu amigo motorneiro, nem com a solidariedade outrora pactuada. Lembrou então de Fernando Pessoa que ao  especular sobre o Natal dizia: "Nasce um Deus. Outros morrem. A verdade nem veio, nem se foi: o erro mudou. Temos agora uma outra eternidade, e era sempre melhor o que passou".

Socorro! O menino sou eu... 


3º lugar - João Alberto de Lima Nassif 

QUESTÃO DE RESPEITO 

Há mais ou menos cinco anos atrás, eu tinha catarata nos dois olhos. De noite, só enxergava brilhos: pareciam pequenas estrelas; de dia, via vultos embaçados e não tinha idéia de distância. Enquanto esperava um mutirão da catarata, continuava a vida como sempre: fazia compras no supermercado sempre pedindo ajuda, pagava contas no banco, pegava ônibus pedindo para alguém do ponto ler o nome do ônibus. Andava pra lá e pra cá com cuidado, é verdade, mas não parava. Afinal a vida continuava... Só atravessava a rua na faixa de pedestre onde esperava juntar gente e, quando o farol abria, passava junto.

Um dia, fui ao banco e estava na faixa de pedestre na esquina da avenida Vereador João de Luca com rua Palestina, esperando juntar pessoas para atravessar; quando aconteceu um fato estranho:

Uma senhora negra (mais velha do que eu) segurando um cajado como se fosse uma bengala, segurou no meu braço com muita força e implorou:

--Moço por favor me atravesse! Tenho pavor de atravessar a rua!

E insistiu:

--Moço, fui atropelada, tenho medo! Por favor! Preciso ir à igreja do padre Marcelo. Moço, por favor!

Fiquei sem palavras.

Olhei mecanicamente para os lados e atravessamos; chegamos do outro lado sãos e salvos.

Ela me agradeceu e foi em direção à igreja.

Parado na esquina, pensei:

- Será que foi um milagre?

Não, foi uma simples questão de respeito.

Quando os motoristas nos viram na faixa de pedestre pararam seus veículos.

A senhora e eu respeitamos os motoristas quando usamos a faixa de pedestres e eles retribuíram, parando seus veículos.

SERÁ QUE A SOLUÇÃO DO TRÂNSITO NÃO É UMA SIMPLES QUESTÃO DE RESPEITO?

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