4ª Edição - 2012

Terceira Idade - Crônica

Pessoas com 60 anos ou mais.

Tema: Compartilhar a via pública é multiplicar respeito.

1º lugar - Vicente Riva Funicelli

2º lugar - Eduardo Kisaburo Motoshima

3º lugar - Francisco Fernandes Mendonça


 

1º lugar - Vicente Riva Funicelli

Pelas rodas de São Paulo 

Tive infância repleta de heróis. As histórias de Monteiro Lobato e as aventuras de Robinson Cruzoé fervilhavam minha imaginação. Meu maior herói, com seu uniforme composto por paletó, gravata e suspensórios, era meu pai.

Lembro do dia em que ele me deu um caminhãozinho de madeira, brinquedo de toda infância. Eu e suas rodas reluzentes desfilávamos pelas ruas ainda não asfaltadas do bairro da Vila Diva, em que muitos pedestres, algumas carroças e poucos carros conviviam em harmonia.

O desenvolvimento fazia São Paulo crescer, e as rodas dos bondes me ajudavam a percorrer as ruas do centro da cidade, em que levava a vida como auxiliar de escritório. Ao lado dos bondes, um grande contingente de pessoas a pé e um crescente número de carros e ônibus disputavam o espaço disponível nas calçadas e no asfalto.

O tempo passava, vieram rodas de amigos, rodas de samba e rodas de família. Também as rodas dos carros, sobre as quais se desenrolou boa parte da rotina de representante comercial, percorrendo quilômetros todos os dias em busca do sustento da família.

A idade avançou, a família cresceu, a aposentadoria chegou. Com ela, o tempo para me dedicar a duas rodas que ocupavam a garagem de casa desde o ano de 1971.

Reencontrei minha Monark ano 1970, com rodas finas e câmbio de dez marchas, novidade para a época. Afastei-me do carro, que proporcionou tantas alegrias, mas agora era fonte de poluição e despesas, para reatar o relacionamento com a bicicleta. Inicialmente, só em trajetos curtos. Depois, em deslocamentos por avenidas, parques, ciclovias, ciclofaixas da cidade.

Confesso que dividir o tráfego com motoristas, motos e pedestres, mesmo com todos os equipamentos de segurança, despertou bastante medo. Aos poucos, notei que não estava sozinho nesta trilha. Havia uma roda difusa de ciclistas pela cidade, que trocavam os congestionamentos que enfrentavam no interior de seus veículos pela combinação de caminhadas, pedaladas, táxis e transportes públicos. Os motivos determinantes para esta decisão eram diversos. Mas todos partilhavam a mesma opinião. Melhoraram a qualidade de suas vidas. E acreditavam que, com suas pequenas atitudes, seriam capazes de transformar o trânsito da cidade.

Atualmente, estes olhos que já frequentaram muitas rodas estão convencidos de que chegou a vez da roda da cidadania no trânsito de São Paulo. Nela, os semáforos e as placas de sinalização movem os ventos que despertam a consciência do pedestre, do condutor e do ciclista que há em cada um de nós, indicando que, ao invés de disputar espaço com veículos para atender o interesse individual, partilhar as ruas é a garantia de um caminho melhor para todos. Dividir o espaço no trânsito é a via mais rápida para multiplicar cidadania.

Hoje, minha maior alegria é presenciar que os novos ventos contagiaram meu neto. Com seis anos, já pediu bicicleta e capacete para o vovô. Para ele, sinto que sou seu maior herói. E assim, de herói em herói, gira a roda da cidadania.

É desse modo que no trânsito vivi e convivi. Agora, convido você a entrar nessa roda. 


2º lugar - Eduardo Kisaburo Motoshima

 Aonde quer que eu ande, eu me pergunto: "Onde está o respeito que tanto se fala?"

 Ao sair de casa, entro no meu caminhãozinho - o meu instrumento de trabalho - coloco o cinto de segurança e peço a Deus que pessoas imprudentes não cruzem o meu caminho, nem o caminho de outras pessoas, que como eu, todos os dias saem de casa cedo para trabalhar, e com esforço e dedicação ganham o pão de cada dia. Sempre peço para que nós voltemos em segurança ao nosso lar.

É, contar que peço a Deus para que pessoas imprudentes não cruzem nossos caminhos poderia ser algo que Deus não precisaria ouvir, mas isso só ocorreria se cada um fizesse a sua parte. Mas, atitudes de outros, infelizmente não estão ao nosso alcance. E, devido à realidade em que vivemos, esse é o meu pedido diário. Então, faço o que me cabe, a minha parte, para que eu não coloque a minha vida, nem a vida de outros em risco, e peço aos meus que façam o mesmo. Para se ter noção dessa triste realidade de acidentes de trânsito e em tudo o que isso abrange, basta assistir às notícias de manhã, tarde e noite, e até mesmo às novelas, propagandas e por que não dizer: desenhos? É, vemos desenhos ensinando as crianças sobre as atitudes que podem poupar vidas, crianças essas que dão uns shows em seus pais, parentes e amigos ao contarem felizes e orgulhosas o que aprenderam! Além das atividades desenvolvidas nas escolas, conscientizando as crianças desde pequenas! Todos os programas tentam de todas as formas chamar a atenção de todo o público, é como um "grito de socorro" para toda a sociedade, dos mais pobres aos mais ricos, para que urgentemente passem a fazer algo pra mudar esse índice de acidentes e mortalidade no trânsito!

Presto atenção nos noticiários, nos depoimentos de pessoas que foram imprudentes, e que por obra divina saíram ilesos de um acidente de trânsito, dizendo que não mais consumirão bebidas alcoólicas, que não ultrapassarão o limite de velocidade permitida, que respeitarão as leis de trânsito, pois nunca mais querem deixar seus familiares passarem por momentos de tristeza profunda, motivada por suas imprudências. Mas, logo penso: será que é preciso passar por um susto tão grande para pensar em melhorar, em salvar sua própria vida e a vida de outros? E será que sempre terão uma segunda chance? Ou nem preciso ir tão além: Será que realmente vão cumprir o prometido quando voltarem às ruas? Podemos imaginar a resposta...

E, por isso vou dividir algo que faço há décadas, e que sempre que tenho uma oportunidade, conto e peço para fazerem com o coração: REFLETIREM!!...

"Antes de sair de casa, olho para o meu lar, e penso no valor que a minha vida tem para as pessoas que lá dentro estão e que oram constantemente para que eu volte todos os dias com a mesma segurança, pessoas que dependem de mim no lado emocional, espiritual, financeiro. E logo me vem a seguinte pergunta: O que será dessas pessoas se eu não voltar? Ou então: O que será das outras famílias que tem a mesma preocupação que a minha, se seus entes queridos não voltarem? E, rapidamente uma resposta vem: O nosso futuro e o futuro de várias pessoas dependem do que cada um de nós fará!"

Faço isso todos os dias e essa foi a forma que encontrei de me sensibilizar e prestar total atenção para as campanhas de conscientização que vejo na TV, para não me distrair em nenhum segundo, dirigir com mais responsabilidade. Acredito que, se as pessoas refletissem mais, no momento em que pensassem: "vou beber mais uma, estou me sentindo bem, só vou pedir a saideira!"... "só vou acelerar um pouco pra não chegar atrasado"... "não vou parar no vermelho porque não tem ninguém vendo"... "lugar de pedestre atravessar é só na faixa!"... "O que tem de mal atender o celular dirigindo?" Pessoas maduras e conscientes, após esses pensamentos, logo se atentariam que a própria vida e a de outros tem muitíssimo valor, e que por traz de 1 valiosa vida, tem várias outras vidas que esperam todos os dias pelo seu retorno! E, se vivemos em sociedade, e se esperamos que as pessoas que amamos voltem todos os dias com segurança para o nosso lar, devemos todos dar as mãos nessa corrente de reflexão e conscientização!

E isso é válido para todos: pedestres, ciclistas, motociclistas, porque todos nós compartilhamos a via pública, e todos nós, sem exceção, merecemos o mesmo respeito e cuidado, seja andando na calçada, de bicicleta, atravessando as ruas, pilotando uma moto, dirigindo um carro, ou um caminhãozinho como o meu... 


3º lugar - Francisco Fernandes Mendonça 

Em São Paulo ou no interior basta respeitar, sô!

  "Ah na garoa de São Paulo as pessoas me cumprimentava mesmo de dentro dos carros, inté pra pedir desculpa por ficar em cima da faixa, ao passo que eu desculpava vá, pra não estraga o nosso dia".

 Vô Chico veio para São Paulo passar uns dias, veio de Rio Vermelho, onde nascem mineiros invocados consigo mesmo e com os outros. Cidade onde, quando moleque parava para olhar os carros de boi, os cavalos, as motinhas, tudo da sua magrela.

 Quando voltou, diziam que contava histórias pros netos que reuniam os velhos, as mulheres e as crianças da cidade até altas horas na Praça Central, em frente à igrejinha.  O que mais impressionava eram as histórias sobre os carros, motocicletas, as bicicletas num mesmo lugar com prédios que tocavam as nuvens, ele falava: "Tem como aqui, mas tripliquem por um milhão". "É muito grande, mas lá os carros são inteligentes, param quando quero passar, não são como os bois." Mas uma das histórias que ele não contava era a que eu mais gostava, a que eu presenciava quando da chegada do vô em São Paulo.

 Logo no terceiro dia na cidade, na moda de andar de bicicleta por aqui, que já não era muita moda pra ele, pegou uma emprestada do filho do vizinho. Passou um óleo na magrela e foi-se embora para a rua, não de terra batida, mas de paralelepípedo das ruas do Bairro Sumaré. Meia hora depois voltou que pingava até as barbichas de suor, branco como leite, e tremendo que nem vara de bambu na ventania.

 "Minha nossa, que que é isso!"

 As grandes máquinas, de quatro rodas ou de duas, pilotadas por astronautas velozes, os grandes caminhões que faziam tremer o chão onde passava assustaram o vô.

 E então ele disse que a cidade grande era uma loucura, decididamente não queria mais sair de casa, ao que a prima lhe disse:

 "Não há nada de errado, são apenas pessoas apressadas com seus afazeres primo! Acabam se distraindo, aqui é cidade grande!"

 "Mas que pressa, pressa de que muié?!"

 "Ah, a pressa de buscar os filhos na escola ou de levar, a pressa de chegar ao trabalho e de almoçar, o tempo é curto na cidade grande!"

 "Que coisa, e os compadre nem se cumprimenta uai, além de quê na rua me pisoteiam parece que nu me vê!"

"Ô primo, as pessoas andam distraídas por demais, o tempo é curto."

 "Ma por causa disso num me veem uai, eu ando manso, sô lá do interior, da cesta da tarde, do passo lento, de ceder à passagem. E claro, de parar pra cumprimentar meus compadres!"

 E nesse vai e vêm eles ficaram até a janta. Então Vô Chico foi dormir invocado com aquilo tudo. Noutro dia, tinha uma luz diferente, uma grande luz invadira seu ser caboclo e esperto, seu ser gente, seu ser compartilhando, seu ser que quer refletir e refletiu até em mim.

 E de repente, na rua, encarou aquelas máquinas com astronautas em cima, com suas roupas negras e capacetes brilhantes e através da viseira viu que era gente, gente como ele, e quando reparou neste detalhe o motociclista também o viu, e nessa troca atravessou a rua, sem susto, sem medo, e claro cumprimentando o compadre da motocicleta.

 E então caminhando pelas calçadas olhava para os motoristas em seu trânsito diário e cumprimentava-os, ele era correspondido com acenos, com sorrisos e claro, com desculpas (...). Acompanhava os ciclistas, que marotos usavam os sinos da bicicleta para cumprimentar a todos, lhe perguntavam as horas do alto de suas magrelas e lhe dava passagem. É difícil, eu pensei, respeitar quando não se enxerga o outro e aqui, na vida da cidade, tudo desviava nosso olhar do outro. Parou no meio da via. Olhou ao redor. Carros, ônibus, motocicletas, as bicicletas. Olhou de novo. Ele viu pessoas, homens, mulheres, crianças no banco de trás, milhares de pessoas, vidas cheias de histórias, aflições, pensamentos distantes, dentro dos grandes ônibus, no alto dos caminhões, bem próximas nas motos e nas bicicletas, pessoas ao seu lado compartilhando os mesmos espaços, os mesmo momentos, as mesmas chuvas, os mesmos trânsitos, as mesmas falhas, os mesmos acertos.

 Todos os dias.

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